Escritos em alto mar

A escritora e velejadora Tamara Klink fala sobre o viver em trânsito e sua relação com as palavras

Por Claudia Ratti

Escritos em alto mar | Westwing.com.br

Tamara Klink navega por mares e palavras. Tudo começou aos oito anos, quando partiu com a família em uma expedição para a Antártica e, incentivada pela mãe, registrou tudo em um diário. 

Começava ali a trajetória de quem viria a se tornar brasileira mais jovem a cruzar o Atlântico sozinha. Tamara reconhece o título, mas deseja ser vista para além dele: “Quero que me vejam como um sinal de que é possível, não como uma exceção. Não pretendo ser heroína de ninguém”.

Por trás da conquista, teve estudo, preparação e negativas da família. Ao pedir o barco do pai, Amyr Klink, emprestado, ouviu um sonoro não. Ajuda para comprar seu próprio veleiro? Negativo também. Para o pai, ela deveria construir sua história sozinha. 

E assim fez. Em 2020, com a ajuda de um amigo, comprou a Sardinha, um pequeno veleiro de 26 pés e partiu para a primeira travessia solo, uma viagem da Noruega à França pelo Mar do Norte. No ano seguinte, depois de se especializar em arquitetura naval em Nantes, França, seguiu para sua grande viagem: três meses sozinha pelo Atlântico. 

Na medida do possível e do acesso à internet, compartilhou a jornada em seu Instagram com fotos, vídeos e legendas que mostram que, além da velejadora, havia uma escritora naquela aventura. “Com a escrita eu transformo e traduzo pensamentos para os quais não tenho nome.”

Escritos em alto mar | Foto 2 | Westwing.com.br

Westwing: Você é a brasileira mais jovem a atravessar o Atlântico sozinha. Como esse título te impacta? 

Tamara: Acho legal por romper estereótipos, mas não sinto impacto em ser ou mais ou menos alguma coisa. Meu objetivo nunca foi bater um recorde, mas aprender e me preparar para viagens mais longas. Eu fico incomodada em ser vista como heroína e exceção. Existiram mulheres que fizeram essa e outras travessias antes de mim e tantas outras que ainda farão. Por um lado, lembramos que podemos chegar lá. Por outro, quando colocado de forma exagerada e idealizada, pode desencorajar as pessoas.

Como foi viver em um barco-casa? 

Não tinha uma rotina definida. Meu sono era picado, dormia em três períodos de 20 minutos, mas as refeições ajudavam a organizar o tempo. Eu procurava navios ao redor, desviava dos perigos que apareciam… Tinham dias de mar mais agitado, outros que eu me expunha mais ou menos ao sol… Mas meu principal objetivo era seguir em frente. 

Como você lidou com a solitude?

Eu tive o privilégio de escolher partir. Acho que muitas pessoas, inclusive mulheres e mães solo, têm esse sentimento de solitude sem ter escolhido vivê-lo. A solidão estava presente em tudo, era um dado da viagem. Era necessário estar com ela para concluir a travessia e descobrir do que eu era capaz comigo mesma. Ainda assim, muitas vezes, era duro e assustador.

E o tédio?

A gente está desacostumado a ter tédio, né? Eu lia e isso me ajudava bastante, sobretudo quando eu estava exausta. Quando a fonte da motivação estava seca, livros e histórias sobre lugares distantes me divertiram e motivaram. Eu também ouvia música e, surpreendentemente, depois eu soube que músicos que estiveram presentes ao longo de toda a viagem estavam me acompanhando. 

Você transita por diferentes países, cidades, casas… Onde é o seu lar?

É o lugar onde estou com as pessoas que eu gosto, minha família e amigos. Mais do que um lugar, a minha língua é o meu lar. É onde me sinto abrigada. Eu gosto do calor e do afeto que o português do Brasil, especificamente, tem. É a língua na qual me sinto eu mesma e em casa.

Isso diz muito sobre a sua relação com a escrita, né? 

Sim. É uma relação de dependência. Eu preciso escrever e ler. Acho que, quando escrevo, abro um portal dentro de mim que eu não consigo abrir em conversas. Com a escrita eu transformo e traduzo pensamentos para os quais eu não tenho nome.

O que você costuma registrar nestes textos?

Eu escrevo o tempo todo e um pouco de tudo. Poemas, relatos factuais, sonhos, letras de música, listas, desenhos… E não só em cadernos. Também escrevo no celular. Hoje todos nós escrevemos muito e nem nos damos conta de que as mensagens que trocamos também são diários dos nossos caminhos.

Escritos em alto mar | Foto 3 | Westwing.com.br

Na playlist em alto mar tem… 

Moreno Veloso – Um passo à frente 

MC Tha – Oceano

Julio Secchin – Festa do Adeus

Marisa Monte – Ainda bem 

Ben Mazué – Semaine A / Semaine B

Acompanhe nas redes sociais

Para navegar pelas palavras de Tamara Klink, vale acompanhar a escritora-velejadora no Instagram (@tamaraklink) e conhecer seus livros: Mil milhas, com poemas, desenhos e o relato da viagem em solitário, e Um mundo em poucas linhas, com poemas e textos em prosa poética sobre as viagens realizadas em família e as diferentes travessias que fez ao longo da vida.

 

Julia Heimerdinger

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